CARTA AO NOBRE AMIGO:
MARCELINO SANTOS MENDES
Prezado Marcelino,
Nosso passar pelo planeta é como o
passar das abelhas beijando as flores; tão rápido quanto o nascer ou o por do
Sol, no máximo como o passar de um dia! Ou talvez até como um piscar de olhos. É
de uma rapidez insuspeitada, e com muita sofreguidão passamos pelo tempo, no
nosso existir somos ávidos de tempo, no ato de viver parecemos famintos de
tempo e, talvez, por isso o devoramos com tanta avidez, talvez no ontem, no
passado, tal avidez não a sentíssemos, pois o tempo da juventude com certeza
não é o mesmo tempo da maturidade, são dois tempos distintos, e é bom que assim
o seja, seria horrível se o jovem tivesse o mesmo discernimento de tempo da
pessoa idosa, ou o mesmo saber, o conhecimento gera muitas preocupações! É
inconcebível os idosos tentarem utilizar o tempo com a mesma ótica dos jovens,
e os jovens terem por sua vez a mesma sabedoria dos velhos, pois a cada idade o
seu uso do tempo e a sua sabedoria, por isso os conceitos de tempo e o perceber do passar
do tempo e, principalmente o “saber” sejam tão diferentes. Apraz ao “Senhor”
que a vida seja breve.
E aqui estamos nós! Teu amigo
“Morro velho” já deu sessenta e cinco
voltas em torno do Sol, alcancei a idade em que alguns (somente alguns) adquirem
sabedoria, embora comigo isto não tenha acontecido. Sei que a sabedoria é
inerente ao ser humano, no entanto, nem todos a alcançam. A poucos dias estive com o teu filho Rômulo
que me deu noticias de ti e de Dona Valdira, com alguma frequência me encontro
com o Robério que me dá noticias de todos. Às vezes somos vizinhos e não o sabemos,
voltei para Conquista em 2003 e assim mesmo ainda não nos encontramos.
O tempo tem muitas funções, sendo uma
delas: separar os seres.
Para nos divertir vamos agora a uma
abordagem sócio-demográfica da humanidade;
Não sei se sabes! No futuro
desaparecerão os clãs familiares, a tendência moderna é de os casais só terem
um filho, eliminando destarte a existência de primos e tios, assim não haverá
no futuro grupos familiares como nós conhecemos, não sei como será, mas deverá
ser horrível não ter parentes. Por instinto somos gregários, foi o instinto que
nos fez gregários, e unicamente para subsistirmos num passado remoto, como
espécie.
Com a desagregação da família estaremos
mais sujeitos ao desaparecimento como espécie da superfície do planeta. E este risco
tem aplicação e abrangência à toda humanidade.
A meu ver, vai haver um colapso na
existência da humanidade no planeta. Já somos 6,6 bilhões de filhos do ”Senhor”,
se triplicarmos ou mesmo se somente dobrarmos, as reservas energéticas do planeta
não suportarão por muitas décadas tal demanda de energia provocada por um
número tão grande de comedores de feijão, isto se todos gostassem e achassem, e
aí virá o caos. E depois do caos o CAOS, não quero nem estar por perto. Como se eu pudesse evitar de estar por perto. Quanta
presunção!
Caro Marcelino o mundo que estamos
deixando para nossos netos não é nada auspicioso, e não há nada que possamos
fazer para mudar estas premissas tão ruins para o futuro.
Sob o enfoque individual não somos
culpados. Mas como partícipes da
sociedade humana temos uma parcela de culpa. Sei que não pensas e nem acreditas
no que acredito, mas no futuro estaremos de volta para vermos o que fizemos com
o planeta e pagarmos pela nossa parcela de culpa. É a lei de causa e efeito, da
qual ninguém pode escapar.
Sei que acompanhas pelos noticiários da
mídia o que vem ocorrendo com o planeta nestas últimas décadas, e tudo isto é
culpa da própria humanidade, ninguém veio de outro planeta para alterar o clima
do nosso planetinha azul, Marcelino te
recordas de quando eras menino? Podia-se ir daqui até Itabuna dentro de uma imensa
mata atlântica, raríssimas eram as aberturas, hoje é uma imensa caatinga, em
Itapetinga já se encontra as vegetações próprias da caatinga, quando eu fiz o
levantamento da fazenda “Condonozor” de tua propriedade, com mais de quatro mil
hectares mais de trinta por cento ainda era mata atlântica virgem, agora é só
puro pasto, o ser humano com certeza não gosta das matas, e por tabela também
não gosta de si mesmo ou é muito burro. Pois é impossível viver um tão grande
número de seres em um deserto, se triplicarmos seremos vinte bilhões, como
iremos viver nos desertos criados por nós próprios? Como um homem de visão sei
que estás de pleno acordo comigo.
Prezado Marcelino o destino da
humanidade não é nada promissor, e não podemos fazer nada para mudar o rumo dos
acontecimentos, não sou fatalista, não creio no maktub, assim! Acredito que
Deus não nos traçou os rumos do porvir, pois deu-nos a oportunidade de
traçarmos o nosso próprio destino, acredito que o homem devido a sua ganância e
insensatez alterou de forma irreversível o clima do planeta, mudando o futuro
da humanidade, levando-a para o caos. Nossa única morada enquanto homens vivos,
encarnados, é este planeta, se nós o deterioramos para onde iremos? Observe
bem! Individualmente ninguém é culpado, mas como integrantes da humanidade
todos o somos. Chamo vossa atenção para o
seguinte fato: os percalços que a humanidade irá passar, todos são passageiros,
O Senhor em sua infinita sabedoria e bondade não abandonará a sua humanidade,
embora todos os culpados paguem a seu “tempo” por suas culpas.
Agora um pouco de poesia:
A propósito do tempo.
Lembro-me do Divão! Ele sempre pedia
para que se recitasse os versos de frei Antônio das Chagas, (1831-1882). Conheces
os mesmos? E um poema e tanto; chama-se: O Tempo;
Aqui, com tua permissão transcrevo o mesmo:
O Tempo:
”Deus pede estrita conta do meu tempo /
e eu vou do meu tempo dar-lhe conta, / mas como dar, sem tempo, tanta conta, /
eu que gastei, sem conta, tanto tempo? / Para ter minha conta feita a tempo, /
o tempo me foi dado e não fiz conta / não quis, sobrando tempo, fazer conta, / hoje
quero acertar conta e não há tempo. / Ó vós que tendes tempo sem ter conta, /
não gasteis vosso tempo em passa-tempo. / Cuidai, enquanto é tempo, de vossa
conta, / pois aqueles que sem conta gastam o tempo, / quando o tempo chegar de
prestar contas, / chorarão, como eu, o não ter tempo”.
Caro Marcelino nosso existir cruamente
só nos permite alcançar e entender a grandeza do pensamento de frei Antônio
depois de já amadurecidos, assim não adianta ler estes versos enquanto somos
jovens, pois não os entenderíamos, eu mesmo já os li por muitas vezes enquanto
jovem e nunca alcancei a profundidade da sua sabedoria.
Há tempos não nos encontramos, tem mais
de quinze anos que estive com o George, com Rômulo é mais fácil de encontrar, o
Rubens há tempos não vejo, há o Rubens!
Tendes um cunhado muito inteligente, e
na maioria das vezes não compreendido por todos, trato aqui do Rubens, é pessoa
muito sensível, de uma sutileza sem par, poucos o compreendem, nasceu na época
e no local errado, a lógica de Rubens é Kantiana, de um Spencer ou Sanders Peirce
e o proceder de um Russeau, extremamente culto, muito sutil, voltado para as
coisa do espírito, nenhum colega dele em Conquista chega aos pés dele no
conhecimento advocatício. Há tempos não me encontro com o mesmo. Espero vê-lo em breve. Quanto ao
sucesso financeiro, não te esqueças, Einstein teve seu funeral pago pelo
governo americano, pois morreu em extrema pobreza, riqueza nunca foi sinal de
sabedoria, olhe o exemplo de Salomão que preferiu a sabedoria e a nobreza de
caráter à riqueza. Sempre vi em Rubens uma pessoa inteligente, nobre e culta. Toda
pessoa que se preocupa com o “Ser e o Existir” via de regra são pessoas
superiores.
Para amenizar a tristeza das verdades do
poema do frei Antônio das Chagas, te faço recordar dos sonhos da juventude com
a transcrição do poema de Raimundo Correia, (1860-1911), (não é dos Correias carregadores
de pedra).
As Pombas:
/ Vai-se a primeira pomba
despertada... / Vai-se outra mais...
mais outra... enfim dezenas / De pombas vão-se dos pombais, apenas / Raia
sanguínea e fresca a madrugada... / E à tarde, quando a rígida nortada / Sopra,
aos pombais de novo elas, serenas, / Ruflando as asas, sacudindo as penas, /
Voltam todas em bando e em revoada... / Também dos corações onde abotoam, / Os
sonhos, um por um, céleres voam, / Como voam as pombas dos pombais; / No azul
da adolescência as asas soltam, / Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam, /
E eles aos corações não voltam mais...
Caro Marcelino, finalizando peço permissão
para te mandar uns escritos que retirei da minha inútil cabeça, espero não te
aborrecer com os mesmos, tanto é, que estás autorizado, se assim achares
conveniente, os jogar no lixo ou queimar os mesmos, e considerar que nunca os
recebestes.
No final dos garranchos a que chamo de “Os
três insights” tem um glossário, utilize-o: é esclarecedor! È uma obra sem
cunho científico, filosófico ou religioso, tendo o crivo exotérico como fator de
enfoque e abordagem, em que trato e analiso com a mais absoluta humildade e
singeleza, principalmente os aspectos sutis da formação deste nosso universo, este
desconhecido universo, tratando o homem como centro e principal razão do seu
existir, o universo sem o homem não faz sentido algum.
Ao final dos inúteis escritos, esta
inútil pessoa (Movér) juntou uma carta que fez a um teu parente distante, o
Deusdeth Ferraz, leia a mesma com atenção, pois é muito interessante, nela são abordados
diversos temas atuais, talvez não tão atuais pois foi escrita em 11 de
fevereiro de 2005.
Peço desculpas por ter utilizado a fonte
14 para imprimir este texto, pois minha visão já é falha, são os tropeços da
idade.
Atenciosamente,
O aprendiz de aprendiz dos aprendizes da difícil arte
de viver.
Edimilson Santos Silva Movér,
Segundo “O Sr. Etelmínio”, (Morro Velho)
Vitória da Conquista, 10 de setembro de 2005
moversol@yahoo.com.br
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