O RITUAL DA MORTE
Este pecador se escondeu e não disse uma só palavra
jamais,
A
morte o levou para pagar todos os pecados lá nos umbrais,
Aprendam a lição! Oh! Vós loucos infelizes e, que mais
pecais,
nem no fundo dos mares, nem nos altos do céu,
nem dentro do
chão vos escondais!
Deixai cá fora toda a esperança, oh! Vós que entrais!
A
velha da foice bate na porta de uma Igreja nos
tempos medievais,
Tum! Tum! Tum!
O
clérigo:
responde de dentro da Igreja,
- Quem bate
Por três vezes!
A velha da foice:
- Sou eu, a morte, em busca de uma
alma pecadora!
O clérigo:
- És tu, ingrata ceifadora?
Indiferentes, nós
escutamos o teu bater!
Siga em frente,
Bate em outra porta,
Oh! Andrajosa e vil
mutiladora,
A velha da foice:
- Não se assustem!
Vós que cuidai
“aquilo” com zelo,
“Aquilo” só vai depois
de morta!
O clérigo:
- Estás cega? Não viste o sagrado
selo?
Nesta casa não entrais
oh! Asqueroso horror!
Passai ao largo
peçonha maldita,
Este lugar é santo,
não entrais aqui!
Este símbolo é o Santo
dos Santos!
O que vedes na porta é
o selo de David...
Aqui é terra sagrada
temos o que fazer,
Nesta casa guardam-se
os mandamentos do Senhor...
Use a tua foice nas
adjacências!
Todos aqui ainda têm
muito que viver,
Se dirija a outras
paragens,
Ou serás condenada a
pagar dez mil penitências.
A velha da foice:
Tum! Tum! Tum!
O clérigo:
- Quem insiste em bater?
Aqui só estamos nós os
homens do Senhor!
E um rico e
respeitável fidalgo,
De veneráveis barbas,
conosco a rezar!
Que quereis repetindo
o teu bater?
A velha da foice:
- Sei que ele é um rico usurário,
E que a vós pagou,
para o selo da sua religião,
Em vossa porta
estampar,
Vosso símbolo é a
cruz,
E por isso um dia
terás que pagar,
O clérigo:
- Isto é blasfêmia! Temos direito a
dar nossa benção,
A todos,
"indiscriminadamente"
"Independentemente"
da sua religião!
A velha da foice:
- Aí, alguém se esconde sem ter o
direito de se esconder!
Cumpro o meu dever!
Eu vim buscar o que me
pertence,
Sem ao sagrado recinto
querer ofender!!!...
O clérigo:
- Se insistes tanto, alguma razão
deve ter!
Diga o nome do pobre
desvalido e sem sorte,
Quem vieste buscar e
diga o por quê?
A velha da foice:
- O nome não importa mais! Quem o
busca é a morte!
Para onde ele vai
ninguém tem nome,
Lá o apelido dele será
“aquilo” e nada mais!
Quero o velho barbudo
que atrás da porta se esconde
Lá tem azeite quente e
enxofre, ele não passará fome!
Estou esperando aqui
fora!
Sei que aí não posso
entrar!
Ainda bato mais três
vezes!
Na primeira ele se
deita,
Dê-lhe a extrema unção,
Na segunda ele sai sem
o corpo, o corpo não quero não!
Na terceira a alma
penada comigo vai
Pecador! Despojais a
ti de toda esperança!
De agora em diante!
Chegou tua hora...
Não ouviste Dante?
O clérigo:
- Aguardai aí fora, peçonha maldita!
Vamos encomendar a
alma do sofredor!!!...
A velha da foice:
Tum! Primeiro bater
- Preparai bem este pecador,
Pra onde ele vai não
há refrigério,
Eu só levo a alma, lá
há somente dor!
Podem ficar com o
corpo para o cemitério!
O clérigo:
- Tenha paciência coisa indecente!
Diremos uma missa para
o pobre homem,
Ainda em vida e de
corpo presente!
A velha da foice:
- Estas coisas já não importam mais,
Recebi ordens severas,
Tenho que levar o
delinquente!
O clérigo:
- Estamos a encomendar a alma nos
rituais,
Falta mil ladainhas,
dois mil terços,
Cinco mil salve
Rainhas,
Vinte mil esconjuros
de frente pra trás!
São coisas que não
acabam mais...
A velha da foice:
Tum! Segundo bater
- Escutei calada os xingamentos!
Os pecados dele não se
paga com rituais,
Quero sem delongas os
meus emolumentos...
Dessas coisas todas
vós o dispensais!
O que ele fez, vai ter
que acertar,
Não discutais comigo,
oh! Vós da cabeça coroada,
E também vazia!
Não sabeis meu nome?
Dante me elogiou!
E me chamou de Harpia!
O clérigo:
- O venerável homem está vivo! Assim
não o podeis levar!
A velha da foice:
- Não o levo vivo
O corpo é pesado
Só levo a alma, esta
vai comigo,
Os pecados dele não se
paga com rituais,
Não tenho mais tempo e
não espero mais,
Já
disse, fiquem com o corpo e o enterrai,
O que ele fez só se
paga além dos umbrais,
Na terceira batida,
ele comigo vai!
A velha da foice:
Tum! Terceiro e
último bater
E lá se foi a alma
para as profundezas infernais...
Ranger de dentes,
caldeirões de azeite quente,
Água fervente, espetos
quentes e coisas e tais!
Puro sofrer, e nem um
socorro para o pobre vivente!
Vitória da Conquista,
Ba. - 01 de março de 2007
Edimilson Santos Silva
Movér
O RITUAL DA MORTE - PROSA POÉTICA (99)fcw